Mėnuo

Mėnuo. Ilustração por Basil Blake.

Mėnuo é o deus lituano da Lua, também conhecido na Letônia como Mēness, sendo, portanto, uma divindade encontrada em todos os países bálticos. Chamado em ambos os países por uma miríade de nomes, Mėnuo é ainda lembrado em algumas canções da Lituânia e saudado pela população rural quando se via a lua no céu pela primeira vez no mês.

Na religião báltica, Mėnuo é o filho de Dievas, o deus do Céu. Por conta disso, ele é conhecido em várias canções como Dievaitis (“Filho de Deus/Dievas” ou “Deus Jovem”) ou em sua forma diminutiva, Dievaiciulis (“Filhinho de Deus” ou “Deus Jovenzinho”). Nas canções, ele é casado com Saulė, a deusa do Sol, e com ela, foi pai de Žemyna, a deusa da Terra. Em algumas canções folclóricas, Saulė é conhecida como a mãe dos planetas: Vaivora (Mercúrio), Aušrinė (Vênus ou a Estrela da Manhã), Žiezdrė (Marte), Sėlija (Saturno) e Indraja (Júpiter). Porém, não é especificado se a paternidade delas são atribuídas à Mėnuo.

Também conhecido na Lituânia como Mėnulis, as histórias de Mėnuo são relativamente escassas, comparado com outras divindades. Seu principal mito fala sobre o Casamento Celestial de Mėnulis com Saulė, que ocorreu no primeiro dia da primavera. De acordo com a história, Saulė é auxiliada por duas deusas durante o seu percurso pelo Céu – Aušrinė, a deusa da aurora, prepara os cavalos de Saulė enquanto Vakarinė, a deusa do crepúsculo, prepara a cama para Saulė descansar. Em um dos seus percursos, Saulė deixou Mėnuo sozinho, que acabou fazendo amor com Aušrinė. Saulė, no entanto, soube da traição e divorciou-se dele. Apesar disso, os dois não abriram mão de ver sua filha Žemyna e é por isso que a Lua brilha de noite enquanto o Sol brilha de dia.

Como punição pela sua traição, Perkūnaso deus do clima e mantedor da ordem – golpeou o rosto de Mėnuo com sua espada. Em outra versão da história, quem pune Mėnuo é seu pai Dievas, que desfigura o seu rosto. Na mitologia letã, dizia-se que os deuses cortejavam Saulė no topo da Árvore dos Mundos. Arrebatado com sua beleza, Mēness a sequestra e casa-se com ela.

“Mėnulis casou-se com Saulė,
No primeiro dia de Primavera.
Saulė levantou-se cedo
Deixando a Lua.
A Lua ficou vagando sozinha.
Ele fez amor com
Aušrinė,
Perk
ūnas ficou furioso,
E o cortou com sua espada:
– ‘Por que você deixou Saul
ė?
Por que você fez amor com
Aušrinė?
Por que você vagou a noite inteira sozinho?’”
Daina Mėnuo saulužę vedė, “A Lua casou-se com o Sol.”

Como o deus da Lua, todo o saber que envolve Mėnuo está intrinsecamente relacionado com o folclore lunar. Em algumas áreas rurais da Lituânia, o deus era invocado ou saudado no primeiro dia do mês lunar – de fato, seu próprio nome também é usado para se referir tanto à Lua como aos meses, pois deriva da raiz indo-europeia *menes, “lua, mês” e *me, “medir”. Na Lituânia, o período lunar é dividido em duas grandes fases – a crescente e a minguante, que eram referidas como jaunas Mėnulis (a Lua Jovem) e senas Mėnulis (a Lua Velha), mostrando o envelhecimento e o rejuvenescimento mensal do deus. Para alguns autores e praticantes, as fases da Lua também são explicadas como o resultado da punição de Perkūnas ou Dievas, que o desfigurou. Uma lenda fala que quando a Lua ainda estava no céu após o Sol nascer, Saulė cortou uma parte dele, fazendo com que ele não brilhasse mais tarde naquela noite; por conta disso, nessas épocas dizia-se que a lua estava “preguiçosa”, pois corria seu percurso de forma lenta. Outras histórias também falam que, uma vez, três irmãos encontraram a Lua na floresta e a esquartejaram em três partes, deixando a noite escura e sem lua. Foi assim que passou a existir as noites sem lua, quando então se acreditava que Mėnulis brilhava no reino dos mortos enquanto deixava o mundo dos vivos na escuridão. Outra explicação para as fases lunares fala que ele e Saulė apostaram corrida para ver qual dos dois eram os mais velozes: o resultado foi que Saulė o ultrapassou e, na segunda volta, o ultrapassou mais uma vez e saltou sobre ele, cortando fora uma parte de seu corpo. Isso continuou por muitos dias, com Saulė o vencendo e pulando sobre ele, deixando-o desfigurado na lua nova.

Sobre seu “percurso” pelo Céu, é interessante notar que, assim como sua esposa Saulė, Mėnuo era descrito correndo pelo céu em uma carruagem; no seu caso, uma carruagem puxada por cavalos cinzas. Além dos cavalos, potros, bois e veados são animais sagrados ao deus, que é referido como um desses animais em rimas tradicionais associadas com a lua, que o chamam de “potro de Deus” ou “cavalo com crina branca” e “potro com sapatos dourados.” Mėnuo era descrito com um deus jovem e belo, trajando vestes estreladas, e era invocado para promover a beleza em seus devotos. Seus títulos jaunikaitis (“homem jovem”), Dievas sūnelis (“o jovem filho de Dievas”) e karalaitis (“rei jovem”) reforçam sua relação com a juventude.

Como uma divindade que se “renova” mensalmente, não seria ingênuo pensar que o deus tivesse alguma relação com a saúde; de fato, Mėnuo também recebia orações pedindo por cura e proteção contra todas as doenças.

“Lua, Lua, querida Lua,
Deus Brilhante e Pequenino do Céu,
Você se tornará cheia e eu permanecerei saudável.
Dá-lhe a plenitude e, para mim, o reino de Perkūnas.” (Balys, 1951)

“Eu te abençoo,
Brilhante e querida Lua.
Eu desejo brilho para ti
E beleza para mim.
Eu te desejo as qualidades de um deus,
E você me dê as qualidades de um homem.” (Balys, 1951)

As orações acima são para serem feitas quando a Lua Nova é vista pela primeira vez no mês. A ocasião de ver a Lua pela primeira vez era muito especial e uma série de gestos eram observados para saudá-la: a pessoa parava imediatamente o que estivesse fazendo, virava para ela, tirava o chapéu e se curvava ou se ajoelhava para fazer uma oração (como as descritas acima). Pedia-se a Mėnuo a cura de verrugas, marcas de nascença, tumores e herpes. Nesses casos, limpava-se o rosto com um pano branco quando o visse no Céu ou, como em outros costumes, lavava-se as mãos com água sob a luz da Lua enquanto se dizia, “Desejo ser tão limpo quanto você.” Como governante da noite e dos sonhos, meninas jovens oravam à noite para que Mėnuo mostrasse seu futuro marido durante seus sonhos.

“Jovem Lua,
Príncipe do Céu,
Deixe-me ver (em meus sonhos)
Com quem eu passarei minha vida.”
(Balys, 1951)

Outras orações incluem:

“Jovem Lua,
Rei do Céu,
Você ilumina a Terra e a purifica,
Purifique meu corpo pecador também.”
(Masalskienė, 1990)

“Jovem Lua,
Príncipe do Céu,
Guarde e proteja do incêndio de fogo,
Do afogamento em água,
Da dor de dente.”
(Dundulienė, 1988)

“Rei, rei,
O filho de Deus,
Luz para você no céu,
Alegria para mim na terra,
Lua cheia para você,
Saúde para mim.”
(Dundulienė, 1988)

Muitas outras superstições estavam relacionadas com a primeira visão que se tinha da lua nova todos os meses; resumidamente, tudo era baseado na posição em que você estivesse vendo-a. Caso a visse em seu lado direito, todo o mês seria bom e auspicioso. Se ela aparecesse em seu lado esquerdo, o mês seria ruim e você enfrentaria alguns obstáculos. Um costume registrado nos fala que, toda vez que a lua crescente fosse vista no céu, devia-se dizer a seguinte oração para que o mês fosse bom:

Tu, querida e jovem lua, o rei do Céu,
Me ilumina, me vista!
Me leve ao reino do Céu!”
– contada por Paulina Bujytė, nascida em 1934, na aldeia de Mištūnai, Lituânia.

Além disso, a força restauradora de Mėnuo impactava no crescimento das plantações, fato que o fez ser cultuado pelos fazendeiros e cujo culto permaneceu mesmo após a cristianização dos países bálticos. O calendário agrário dos bálticos era baseado também nas fases da lua; enquanto que a lua crescente promovia o crescimento e era chamada de dosnus, “generoso”, a lua minguante era associada com o apodrecimento e nada era plantado nesse período, quando a lua era chamada de šykštus, “sovina”. Contudo, Mėnuo governava não apenas os ciclos agrários, mas também influenciava diversos aspectos da vida humana, pois se acreditava que certos períodos lunares eram propícios e não propícios para determinadas atividades (como cortes de cabelo, construção de casas, debulha de grãos, etc.). Até mesmo a personalidade e aparência de crianças eram determinadas de acordo com o dia e a fase lunar em que que elas nasciam. Em alguns casos, o sexo da criança também poderia ser determinado baseado na fase lunar em que os pais a conceberam.

A iconografia bélica de Mėnuo (o fato dele ser visto conduzindo uma carruagem puxada por cavalos) nos traz traços de que ele também é um deus da guerra. A Encylopedia Britannica nos fala que seus trajes, equipamentos e armas são todos relacionados com a guerra, assim como algumas expressões usadas nos tempos de guerra que mencionam Mėnuo; contudo, ela não nos traz as fontes e não nos dá mais detalhes sobre esses trajes e armas. Nos mitos letões, como já vimos, Mēness rapta e casa-se com a deusa do Sol, que também era cortejada pelos Dievas Dēli, os Filhos de Dievas – Auseklis (nota-se que aqui o deus da aurora é masculino) e Pērkons (o aspecto letão do Perkūnas lituano). Isso gerou um conflito com os outros rivais que fez com que Pērkons, furioso, golpeasse a Árvore dos Mundos e a estraçalhasse.

O estudioso A. J. Greimas sugeriu que Mėnuo faz parte de uma tríade de deuses lituanos, ao lado de Perkūnas – o deus do clima – e Teliavelis – o deus ferreiro -, mostrando uma grande importância do deus entre os lituanos pré-cristãos, uma divindade associada não apenas com a lua, mas também com a vida e a morte, a saúde e a beleza, a riqueza e a pobreza, a felicidade e o azar, e também da soberania, o que corresponderia à divisão tripartida de Dumezil, onde Perkūnas representa a classe bélica de soldados, Teliavelis, a classe dos trabalhadores e agricultores e Mėnuo, associado com a classe divina dos reis e sacerdotes. O nome Dievaitis dado ao deus também pode ser traduzido como “Príncipe”, reforçando suas ligações com a soberania. Na minha opinião, Mėnuo na verdade, pode representar as três classes, pois tem poder sobre as plantações, tem características bélicas e é relacionado com a soberania.

Todas as orações registradas para Mėnuo, junto com seus muito títulos que o chamam de dievas, “deus”, nos mostra que a Lua foi, sem sombra de dúvidas, cultuada no passado como uma divindade. Fontes históricas do século XVIII também nos fala de oferendas rurais de pães, lã, linho e moedas que eram sacrificadas em qualquer rocha que tivesse as marcas de uma “pegada” nelas. Essas oferendas, feitas na lua crescente, tinham a intenção de promover a saúde e a cura de doenças. Como muitas divindades bálticas, Mėnuo possui algumas representações gráficas (além do tradicional símbolo da lua crescente), como as mostradas abaixo. Vale salientar, no entanto, que todos os símbolos foram encontrados em fontes letãs.

Como um astro brilhante e considerado o “olho de Deus” (Dievo akis), muitas superstições falam que apontar o dedo para a Lua faria com que seu dedo caísse ou apodrecesse; em casos piores, o deus punia com a cegueira aquele que apontasse para ele. Algumas crenças folclóricas se referem a Lua como “a lâmpada noturna de Dievas”, como uma “bola congelada”, o “sol congelado” ou o “sol da noite.”

Podemos concluir que Mėnuo tinha um papel muito importante para as antigas sociedades bálticas, não apenas pelo seu poder sobre o crescimento vegetativo (fato que o fez ser especialmente popular entre os fazendeiros), mas por reger um astro que influenciava diretamente os ciclos dos humanos. Longe de ser simplesmente um “deus da lua”, Mėnuo é o príncipe do Céu e o marido de Saulė, uma das deusas mais importantes da religião báltica. É também o belo senhor da juventude, com o poder de restaurar a saúde e curar doenças, trazendo a beleza e a prosperidade para todos os que se curvassem a ele.

Como cultuar Mėnuo

Com o texto acima, pudemos ter um vislumbre sobre seu culto e a forma como ele pode ser cultuado dentro no Romuva. Embora não tenha festivais próprios, Mėnuo pode (e deve) ser cultuado em todo primeiro dia de lua nova (e na lua cheia) com os gestos de respeito e devoção ao vê-lo pela primeira vez no Céu.

O deus pode ser chamado para pedir por cura, promoção de saúde e felicidade, para trazer prosperidade e proteger o devoto contra doenças. Como um senhor da guerra, também pode ser chamado para ajudar a resolver conflitos e proteger a integridade física do suplicante. Para isso, as orações citadas nesse texto podem ser de grande ajuda para se ter uma base, embora você também possa criar as suas próprias.

Oferendas de pães, lã, linho e moedas são atestadas historicamente e acessíveis de serem feitas atualmente. Se possível, faça as oferendas e orações próximo de uma rocha, com a lua visível acima de você. Se isso não for uma realidade, as ofertas também podem ser feitas em seu alkas (altar doméstico), onde você pode colocar imagens e representações do deus (incluindo objetos com seus símbolos desenhados).

Como toda divindade, Mėnuo deve ser tratado com o máximo de respeito e piedade possível, respeitando o seu principal tabu: não apontar diretamente para o rosto do deus quando estiver vendo a Lua.

Bibliografia:

“The Moon in Lithuanian Folk Tradition”, por Jonas Vaiškūnas. Disponível em: < https://www.folklore.ee/folklore/vol32/moon.pdf&gt;.

The Baltic Sun Goddess – Saulė. Em:Sacred Serpent: Journal of Baltic Tradition, vol. 2, 1994.Disponível em: <https://www.oocities.org/athens/oracle/2810/Saule.html&gt;.

“Baltic Religion.” Em: Encyclopedia Britannica. Disponível em: < https://www.britannica.com/topic/Baltic-religion&gt;.