Autora: Gloria Kivylaitė O’Brien.
Tradução: Leonni Moura
Esse texto foi publicado originalmente no site “Draugas News: Lithuanian World Wide News in English”.
Os lituanos foram um dos últimos povos da Europa a abraçar o Cristianismo. Um dos motivos era seu profundo apego às suas crenças antigas e a crueldade dos “batizadores”.
Conforme as Cruzadas na terra santa continuavam, os papas católicos romanos, no século XII, ordenaram uma “Cruzada Nortenha” contra a Lituânia e outras nações pagãs. Os reis católicos da Europa e as ordens militares teutônicas responderam com entusiasmo e se juntaram na batalha contra os povos bálticos: os letões, os livonianos, os estonianos, os prussianos, os curonianos, os finlandeses e os lituanos.
Invasões, roubos, escravizações e fogueiras persistiram pelos próximos séculos, o que resultou na eventual extinção dos antigos prussianos, e a subjugação, colonização e absorção, pelos Cavaleiros Teutônicos (“Os Irmãos da Espada”), da área conhecida como Livônia, conhecida atualmente como Letônia e grande parte da Estônia. Os Irmãos da Espada se uniram com outra ordem teutônica, a Ordem Germânica do Hospital da Virgem Maria de Jerusalém, também chamada de Os Cavaleiros da Cruz (“Kryžiuočiai”), e a Lituânia permaneceu um alvo permanente desses cavaleiros “sagrados”, fazendo com que os governantes da Lituânia gastassem sangue e recursos protegendo o país contra eles.
O motivo ou propósito ostensivo disso era o desejo de livrar o mundo da “contaminação do paganismo” e converter os habitantes da Lituânia para o Cristianismo. Os lituanos foram batizados como “pagãos selvagens” e “idólatras, servos bestiais do diabo,” dados às “barbáries como pirataria, roubos, infanticídio e sacrifício humano.” Certamente é difícil para nós, os descendentes desses antigos lituanos, aceitar que nossos honrados ancestrais mantiveram tais práticas bárbaras.

A pirataria e o roubo ocorriam em qualquer lugar da Europa naquela época, não sendo uma manifestação das crenças pagãs dos lituanos. O infanticídio e o sacrifício humano, por outro lado, podem ter acontecido como parte de alguns antigos ritos pagãos, especialmente cremações e o tratamento severo dado aos prisioneiros de guerra.
Com isso, vamos tentar, a partir do nosso grande espaço de tempo, cultura e geografia, examinar as crenças e práticas religiosas dos lituanos pagãos. O que se sabe sobre sua fé e costumes? Podemos supor que tipo de influência os seus deuses tinham em seu comportamento, nos seus lares e no mundo ao redor deles? Quantos deuses eles honravam e quais eram os mais importantes?
Em primeiro lugar, eles honravam Dievas, o deus supremo, às vezes chamado de Praamžius, que criou o universo e alguns outros deuses. Ponas Dievas era um ser onipotente tão exaltado que era tratado com grande respeito, mas sem tanta afeição e com pouca familiaridade. De acordo com Maciej Stryjkowski (1547-1593), um historiador polaco-lituano, o povo sacrificava galos brancos para a divindade suprema, matando-os com batidas e dividindo-os em três partes: a primeira, que era comida pelos camponeses, a segunda, pelos sacerdotes (chamados Vaidilosou Kriviai) e a terceira parte, que era queimada.
O segundo em ordem de importância era Perkūnas, o deus do trovão, às vezes chamado de Dundulis. Perkūnas era considerado o mais poderoso dos deuses. Sua presença era imaginada e sentida em quaisquer acontecimentos; sua influência era onipresente e seu principal santuário se localizava no coração da cidade de Vilnius. Perkūnas era especialmente honrado através de um elaborado ritual de cremação dos governantes do país, que incluía queimar vivo o empregado preferido do governante, assim como alguns prisioneiros.
Laima era a deusa da sorte. Ela governava a sorte, o casamento e o nascimento, sendo requisitada por mães e filhas, que oravam pela sua ajuda em um parto bem-sucedido, um assunto de grande importância; as pessoas também oravam pedindo uma vida feliz e sortuda, assim como jogadores, que oravam por vitória. Ela está conectada com as deusas do destino, as Deivės Valdytojos, as irmãs que teciam as vestes da vida do povo: Verpenčioji (a fiandeira da linha), Metančioji (atiradora do aro da vida), Audėja (a tecelã), Gadintoja (a que corta o fio), Sergėtoja (a ralhadora de Gadintoja), Nukirpėja (a que corta o pano da vida) e Išskalbėja (a lavadeira).
Gabija, também chamada de Dalia, era a deusa do fogo e a guardiã da lareira doméstica, para quem a dona de casa lituana fazia uma oração quando reacendia o fogo toda manhã e o “colocava para dormir” à noite. Em honra à Gabija, as Vaidilutės cuidavam de um fogo sagrado. Elas eram sacerdotisas virgens, comparadas às virgens Vestais de Roma, que juravam permanecerem castas por toda a sua vida e manter a chama queimando eternamente. Um destino terrível aguardava qualquer uma delas que quebrava seus votos: a morte por afogamento, sendo amarrada dentro de um saco com um gato, uma serpente e um cachorro, para então ser atirada em um rio.
Teliavėlis era um herói – um poderoso ferreiro que forjou o sol e o atirou no céu. Ele era honrado por ferreiros e artesões.
Žemyna (a Mãe Terra, Žemele) era a deusa que personificava a terra fértil, honrada por aqueles que cultivavam o solo. Seu aspecto masculino era Žemininkas, uma divindade honrada através do sacrifício de galinhas pretas e permitindo-se que cobras pudessem habitar nos cantos de uma casa, alimentando-as com leite. Os animais domésticos eram protegidos por Sutvaras, e os rebanhos, por Ganiklis. Javinė e Jievaras eram os espíritos domésticos que protegiam os grãos durante o crescimento, a colheita e quando eram armazenados nos celeiros.
Outro guardião da casa era Dimstipatis, que protegia a casa de incêndios. Uma vez por ano, a família dava um banquete e sacrificava duas galinhas pretas, que eram consumidas e toda a “sobra” – os ossos, a saboneteira e o pano de prato – era atirada no fogo. As donas de casa, para honrar Dimstipatis, sacrificavam um porquinho bebê, abatido pela mulher mais velha da casa, e então o comia.
A deusa Krūminė era honrada como a inventora da agricultura e protegia as plantações jovens. Krūminė pode ser comparada com a deusa grega Deméter. Todos os aspectos da agricultura eram governados pelo costume antigo que prescrevia homenagens aos espíritos da terra.
Os espíritos dos campos e prados, os Lauku Dvasios, eram vistos em todas as coisas que se moviam nas plantações dos campos. Eles receberam o nome de vários animais, de acordo com as suas características: Kiškis (a Lebre), Meška (o Urso), Lapė (a Raposa), Katinas (o Gato), Smauglys (o Javali), Arklys (o Cavalo) e Vilkas (o Lobo).
Kupolė era o espírito da vegetação da primavera e das flores, cujo festival, o Kupolinės, também conhecido como Rasos (Rasa – Orvalho), tornou-se associado com as Joninės, em honra a São João Batista.
Os Dyvniai Ašvieniai são os dois cavalos brancos que puxam a carruagem do Sol através dos céus e simbolizavam o ciclo anual da agricultura e todas as suas funções. Seu festival era no dia 23 de abril, que “evoluiu” para o dia de São Jorge – Jurginės – quando os cavalos eram tirados dos estábulos e levados para serem banhados em um rio. Seus estábulos e gamelas são abençoados com o sangue de um galo preto e não se deve colocá-los para fazer nenhum trabalho nesse dia.
Medeina era a deusa da caça e das florestas, certamente importantes para quase todos naqueles dias antigos, mas agora ela protege os guarda florestais e observa os atos da elite privilegiada e da nobreza estrangeira que viajam para a Lituânia durante a época da caça.
Bubilas e Austėja eram os aspectos masculino e feminino da divindade da apicultura. A bitininkystė – apicultura – sempre foi, e ainda é, muito importante nas kaimas (“aldeias”) da Lituânia. O Museu da Apicultura em Stripeikiai exibe representações esculpidas em madeira desses espíritos, e emprega docentes bem informados para fazerem com que a visita seja mais agradável.
Raugo Žemėpatis, Ragutis ou Raugupatis era a divindade do fermento, da levedura e da fermentação. Ele governava a feitura do pão e a preparação da cerveja, assim como do vinho e outros produtos similares. O povo sacrificava para ele o primeiro gole de uma cerveja fresca e a primeira fatia de pão.
Os lagos e rios eram protegidos por espíritos chamados Ežerinis e Upinis, que eram invocados pelos pescadores, barqueiros e pelas pessoas que caminhassem em um rio congelado no inverno. Bangpūtys era o feroz deus dos mares e tempestades dos pescadores, cujo barco tinha uma âncora dourada e que ferozmente soprava navegantes cansados quando ele remexia os oceanos.
Velnias era o próprio diabo. Os antigos lituanos eram cautelosos com o diabo, mas não realmente o temiam. Na realidade, tratavam o diabo com desdém e escárnio, já que ele era visto como um criador de problemas que frequentemente tornava-se vítima das suas próprias maquinações. O povo tinha que ser cuidadoso para não se envolver nas tramas do diabo, para que não se perdessem e acabassem nas garras do demônio; no entanto, o diabo poderia facilmente ser enganado por um lituano sensato. O Museu do Diabo, localizado em Kaunas, tem uma excelente e extensa coleção de materiais que demonstravam a relação dos lituanos com Satanás – Sėtonas – e muitos contos folclóricos relatam histórias de pessoas que foram enganadas por ele, e outras, que o venceram.
Giltinė era a Ceifadora, a deusa da morte, que vestia ora roupas esfarrapadas de túmulos ora um longo pano branco, carregando uma grande foice e com seu crânio exposto sorrindo para o mundo. Ela era acompanhada pela sua ave sagrada, a coruja, e atraía o desastre para onde quer que fosse. Ela tinha uma língua venenosa, que colhia o veneno dos corpos nos cemitérios, e se ela lambesse o rosto de alguém, essa pessoa morreria instantaneamente. Ela estava familiarizada com as deusas da Morte Negra, as Maro Deivės, que se diziam terem acendido fogueiras nas colinas, espalhando a morte negra para onde quer que a fumaça fosse.
Pykuolis era o senhor do submundo. O historiador lituano Teodoras Narbutas, em 1841, contou a história de Pykoulis, que sequestrou Nijolė, a filha de Krūminė, e a levou consigo para o seu lar em Pragaras (o Inferno). Essa lenda é comparada com o mito dos gregos antigos de Hades e Perséfone.

Os lituanos também observavam o céu para guiarem-se, e honravam um vasto grupo de corpos celestiais, incluindo Mėnulis – a Lua – e Saulė – o Sol – e todas as outras estrelas, Žvaigždės. Aušrinė era a estrela da manhã, que trazia a alvorada (Aušra), e Vakarinė, a estrela do entardecer, que preparava a cama para a noite de descanso de Saulė. A Via Láctea, como nos chamamos, é conhecida pelos antigos lituanos como Paukščiu Takas – o “Caminho dos Pássaros”.
As posições de várias estrelas e os eventos do calendário celestial tinha influência em uma sociedade profundamente agrária. Os fazendeiros se guiavam pela orientação dos augúrios, que recebiam de intérpretes celestiais, sobre os melhores dias e épocas para mexer no solo, semear, regar, capinar e colher suas preciosas plantações. Os dias de casamento e outros festivais familiares também eram determinados pelo calendário celestial.
Vėjopatis (Senhor dos Ventos) ou Vėjas (os Ventos) eram honrados pelos lituanos e seus primos mais próximos, os prussianos. Ele era o pai dos ventos e foi retratado como um homem raivoso, barbado, alado e com dois rostos. Ele segura um peixe na sua mão esquerda, um prato na direita, e um galo em sua cabeça. Seus filhos são Rytys, Pietys, Šiaurys e Vakaris – os deuses dos ventos leste, sul, norte e oeste. Dausos, ou Dangus, era uma montanha alta do céu, localizada entre dois rios, onde as macieiras douradas cresciam e era sempre dia. Vėjopatis era o governante e o porteiro de Dausos, junto com Auštaras, o vento nordeste. Auštaras ficava nos portões de Dausos e recebia as boas almas, enquanto Vėjopatis soprava as almas ruins para o oblívio.
Outros espíritos eram: as Laumės – fadas ou duendes femininos; os Nykštukai – os gnomos; os Vėlės – os espíritos dos mortos; Baubas – o bicho-papão lituano; Ragana – a bruxa; Žiburinis – o espírito da floresta, um esqueleto fosforescente; Milda – a deusa do amor; Aitvarai – espíritos maldosos que se abrigam em uma casa e se negam a sair, trazendo tanto sorte como azar para seus moradores; Kovas – o deus da guerra; Rasa – a deusa da vegetação do verão e das flores e filha de Kupolė.
Além desses, existem muitos outros deuses menores, espíritos e heróis míticos no panteão lituano.
É óbvio que os lituanos medievais prestavam homenagens para essas grandes e diversas forças que controlavam suas vidas diárias e atividades agrícolas, mas não parece provável que eles passassem seu tempo fazendo o tipo de barbaridades que os cristãos do restante da Europa atribuíam a eles.
Mindaugas, o primeiro rei da Lituânia, aceitou o batismo com sua família e sua comitiva em 1251, em uma tentativa de parar os ataques pelas Ordens Germânicas; no entanto, o resto da Lituânia permaneceu teimosamente pagã e os Cavaleiros continuaram as suas depredações. Vytautas e Jogaile cristianizaram toda Auskštaitija (norte da Lituânia) em 1387, mas isso também não cessou os ataques. Os Kryžiuočiai continuaram sua “Cruzada” e o seu real propósito foi revelado. Seu objetivo era a expansão territorial, e não a disseminação do Cristianismo. Apenas a vitória decisiva contra os Cavaleiros Teutônicos em 1410, através da união das forças lituanas e polonesas, liderada por Vytautas e Jogaila, colocou um fim na então chamada Cruzada Báltica. A teimosa Žemaitija (sul da Lituânia) foi cristianizada em 1417 pelo próprio Vytautas.
A Lituânia pagã não morreu completamente, no entanto. Ela sobreviveu nas tradições cristãs que foram adaptações dos antigos festivais pagãos, como o Vėlinės, o Užgavėnės e o Rasos (ou, Joninės). Uma nova versão da antiga religião pagã está viva na Lituânia e em outros lugares.
O Romuva é uma comunidade religiosa moderna que defende o nacionalismo báltico e o renascimento da importância da antiga e bela mitologia da Lituânia e de outros países bálticos. Os devotos celebram os festivais tradicionais e as formas artísticas, reúnem informação sobre o folclore e a música tradicional, e praticam a responsabilidade ecológica.
Essa fé sustenta a prática do culto ancestral e afirma a sacralidade de toda a natureza. Eles se reúnem diante de um altar de pedra com um fogo ritualístico, do qual se aproximam após lavarem suas mãos e rostos, cantando dainas (hinos), e então ofertando comida, bebida ou flores ao fogo. Os participantes podem oferecer suas próprias contribuições, e todos acreditam que suas oferendas são levadas aos deuses e ancestrais através da fumaça e das faíscas da chama.
O Romuva é conduzido na Lituânia pelo seu Krivis ou Seniūnas (Ancião/Elder), Jonas Trinkūnas, o antigo diretor da Divisão de Cultura Étnica do Ministério da Cultura e Educação da República da Lituânia. Os princípios da fé Romuva podem ser encontrados na “Oração Lituana”:
“Que eu possa amar e respeitar minha mãe, meu pai e os mais velhos. Que eu proteja seus túmulos da depredação e destruição. Que eu plante carvalhos, juníperos, absintos e potentilas para seus túmulos nos cemitérios. Aqueles que não amam e respeitam seus genitores enfrentarão dificuldades em sua velhice. Ou não envelhecerão…
Que minhas mãos nunca se sujem de sangue humano. Que o sangue dos animais, peixes ou aves não sujem minhas mãos, se eu os matar já saciado e sem fome. Aqueles que hoje matam animais, amanhã se deleitarão bebendo sangue humano. Quanto mais caçadores viverem na Lituânia, mais a sorte e a vida feliz fugirão de nós.
Que eu não derrube uma única árvore sem um motivo sagrado. Que eu não pise em um campo de flores. Que eu sempre plante árvores.
Que eu ame e respeite o Pão. Se uma migalha cair acidentalmente, eu a pegarei, beijarei e pedirei desculpas. Se todos nós respeitarmos o Pão, não haverá fome ou dificuldades.
Que eu nunca machuque alguém. Que eu sempre possa fazer a mudança correta. Que eu nunca roube acidentalmente nem mesmo a menor das moedas. Os Deuses punem pelas ofensas.
Que eu não rebaixe crenças estrangeiras e não zombe da minha própria fé. Os Deuses olham com graça para aqueles que plantam árvores nas estradas, nas fazendas, em lugares sagrados, em encruzilhadas e em casas. Se você se casar, plante uma árvore de casamento. Se uma criança nascer, plante uma árvore. Se alguém querido morrer, plante uma árvore para o Vėlė (espírito do morto). Em todos os festivais, durante todos os eventos importantes, visite árvores. As orações alcançarão a sacralidade através das árvores de agradecimentos. Que assim seja!”